Publicada em 17 de setembro de 2024
PLP 108/24 tem provocado dúvidas acerca do dispositivo
A aprovação do PLP 108/2024, que regulamenta a reforma tributária e, entre outros pontos, traz regras gerais para o ITCMD, tem provocado dúvidas acerca do dispositivo que trata da incidência desse tributo na distribuição desproporcional de lucros.
Neste texto, examinamos a possibilidade de os sócios prestarem serviços para a sociedade recebendo eventual remuneração, que não se confunde com a distribuição de lucros.
A tecnologia é um fator de produção, muitas vezes de importância superior ao próprio capital, como se vê nas startups. O Facebook, por exemplo, foi criado com um capital inferior a US$ 1.000.
Mas nossa legislação, em razão da função atribuída ao capital social, impede que, nas sociedades limitadas, alguns sócios contribuam para o capital, tão só com a sua competência ou experiência técnica para o desenvolvimento da sociedade, exigindo que os bens e direitos destinados à sua formação sejam suscetíveis de penhora, o que não ocorre com os serviços prestados pelos sócios.
Prestações acessórias
No entanto, o Código Civil não veda a contribuição dos sócios com prestação de serviços, desde que ela não se destine à composição do capital social. À falta de expressa permissão legal, e prestigiando a liberdade de iniciativa econômica, essa contribuição dos sócios com serviços poderá ser estipulada, nas sociedades limitadas, sob a forma de prestações acessórias, como a de dar uma contribuição tecnológica para o desenvolvimento das operações da sociedade.
Essas prestações não dispensam a contribuição para o capital e serão admitidas com fundamento no artigo 1.053, caput, do Código Civil.
Prestações acessórias consistem em obrigações, assumidas pelos sócios, de prestarem serviços para a sociedade. Essas prestações não integram o capital social e podem ser remuneradas sem incidir sobre a participação nos lucros.
Reforçando a possibilidade de criação dessas prestações nas sociedades limitadas a Instrução Normativa DREI/ME 88, de 23 de dezembro de 2022, que altera o Manual de Registro de Sociedade Limitada, dispõe: “É lícito que o sócio preste serviços à sociedade, em caráter oneroso ou não, ainda que não ostente a condição de administrador\”.
A norma em comento tem suscitado divergência de interpretação, tendo em vista que o § 2º, do artigo 1.055, do Código Civil dispõe: “Na sociedade limitada, é vedada contribuição que consista em prestação de serviços”. Mas o legislador trata, nesse artigo, da divisão do capital social, apenas, e se limita a dispor sobre a contribuição destinada à composição dele, não a quaisquer outras com finalidade diversa.
Essa Instrução Normativa deixa claro que não se atribui a qualidade de administradores aos sócios que prestam serviços à sociedade, pois distingue uns de outros.
A mesma Instrução admite que essa prestação possa ter caráter oneroso ou não. Portanto, ela poderá ser remunerada, podendo não haver preço ou retribuição quando o sócio entender que a sua contribuição conduzirá ao aumento do lucro da sociedade, de forma que ele será beneficiado quando da distribuição deles.
Ela aproxima, em parte, a sociedade limitada da antiga sociedade de capital e indústria, prevista no Código Comercial de 1850, e da atual sociedade simples. Mas, nesta última, admite-se que a contribuição do sócio para a composição do capital consista em serviços, o que não ocorre nas sociedades limitadas.
Além disso, a prestação de serviços na sociedade limitada não pode ser remunerada com participação nos lucros, pois o dividendo é o montante do lucro que se divide pelo número de quotas, e a participação nos lucros decorre somente do investimento no capital da sociedade.
Essa prestação de serviços não confunde sociedade limitada com a sociedade em nome coletivo na qual todos os sócios, que só podem ser pessoas físicas, assumem responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais, enquanto nas sociedades limitadas os sócios podem ser pessoas jurídicas.
É certo, portanto, que a Instrução Normativa aqui comentada não se contrapõe à norma do artigo 1.055, do Código Civil. Este impede a contribuição dos sócios consistente em prestação de serviços para a integralização do capital social, mas não que eles prestem serviços à sociedade, em caráter oneroso ou não, desde que essa contribuição se destine a finalidade diversa da composição do capital social e tenha utilidade para a sociedade.
Fonte: Jota
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