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Artigo – Planejamento tributário, sucessório e patrimonial no agronegócio
01 DE ABRIL DE 2024
Planejar é preciso! O planejamento, em qualquer parte de nossa vida, é fundamental para que se tenha uma modesta previsibilidade.
No segmento do agronegócio, apesar de suas peculiaridades e desafios, a adequada organização e gestão da atividade, sob o ponto de vista da eficiência fiscal e patrimonial, mas, também sucessória, tornou-se há muito tempo algo necessário, inclusive, para a sua perenidade.
Daí porque, o planejamento sucessório, tributário e patrimonial, especialmente, para as famílias e empresas, que atuam no agronegócio tornou-se imprescindível.
E planejar, principalmente, sob o olhar de uma eficiência tributária a fim gerar economia, não é simular, cabendo medidas, estruturas contratuais, societárias que, efetivamente, sejam a realidade a ser vivenciada, sem manobras ilegais que, mais adiante, poderão gerar problemas maiores do que a própria falta de planejamento.
O planejamento tributário para fins de organização do negócio e respectivo patrimônio, inclusive, para que exista uma pacífica e menos onerosa sucessão, pode envolver, de início, diversos aspectos e questões controvertidas.
Isto porque, caberá avaliar a tributação sob diversas perspectivas, renda, patrimônio, receita, entre outras.
Ponto de partida
Um ponto de partida muito comum, com o objetivo de estabelecer melhor governança no negócio, diz respeito à constituição de pessoas jurídicas (holdings/agropecuárias) com a transferência do patrimônio da pessoa física para esta entidade.
Aqui já surge o primeiro desafio tributário, diante do eventual ganho de capital (IR) na integralização, especialmente, de imóveis rurais, além do recolhimento (ou não) do ITBI (imposto sobre transmissão onerosa de bens imóveis) diante da previsão de imunidade tributária prevista no artigo 156, § 2º, I, da Constituição [1].
O alerta que nos cabe fazer diz respeito da necessidade de avaliar, dentro da realidade e pretensões de cada contribuinte produtor, as alternativas quanto ao ganho de capital, pois, com relação ao imóvel rural, por exemplo, existem caminhos que podem levar a efeitos fiscais diversos, desde a previsão do artigo 23 da Lei nº 9.532/97 (integralização por custo ou mercado) [2] até o artigo 19 da Lei nº 9.393/96 (ganho pelo VTN) [3].
Esta decisão a respeito do valor da integralização para fins de ganho de capital, em contrapartida, irá impactar no ITBI, pois, após julgamento do RE 796.376/SC [4] pelo Supremo Tribunal Federal, os municípios, em geral, não têm reconhecido uma imunidade plena, mas, parcial (diferença entre valor integralizado e valor de mercado), o que nos parece um evidente equívoco, gerando discussões judiciais [5], além de custos adicionais e insegurança para o planejamento.
Alternativa
Uma alternativa, a depender da análise, pode ser a integralização pelo valor de mercado, apurando-se o ganho de capital pelo artigo 19, da Lei n 9.393/96.
Mas, mesmo que superada a parte inicial, com a constituição da pessoa jurídica, o trabalho de planejamento não se encerra por aí, uma vez que é necessário decidir se a atividade será explorada nesta entidade, seja por meio de contratos agrários ou mesmo diretamente, escolhendo o regime de tributação para IRPJ/CSLL (lucro real, presumido ou até Simples Nacional) e PIS/Cofins (regime cumulativo ou não cumulativo), além do impacto desta escolha eventualmente no ICMS, Contribuições Previdenciárias e Funrural/Senar.
E, neste momento, muitos fatores devem ser levados em consideração, como o tipo de atividade agropecuária a ser exercida, o destino da produção mercado interno ou externo (perfil dos adquirentes), projeção de investimentos e faturamento.
Aliás, muitas vezes, ainda se opta, mesmo com a constituição da pessoa jurídica, em continuar a exploração da atividade, total ou parcialmente, pelas pessoas físicas, o que exige a estruturação de contratos e negócios jurídicos entre elas (comodato, parceria, arrendamento, integração, sociedade em conta de participação, entre outras).
Pode, porém, ocorrer um movimento, antes ou depois da constituição da pessoa jurídica, de realizar a doação de bens e direitos, o que implica em avaliar também os efeitos fiscais do ITCD (imposto transmissão causa mortis e doação), previsto no artigo 155, I, da Constituição [6].
E, com relação a este tributo, também existem diversos aspectos a serem analisados, desde a alíquota aplicável, pois a depender do Estado pode variar significativamente (e tem sido uma tendência o aumento), além das discussões voltadas à base de cálculo, seja na doação do imóvel rural, onde se debate valor de mercado ou VTN [7], como também para as quotas das sociedades criadas, variando entre valor do capital social, do patrimônio líquido ou mesmo de mercado [8].
Na doação, ainda, é preciso atentar-se ao posicionamento, embora de Turma, do Supremo Tribunal Federal que afasta a incidência do IR (ganho de capital) em tais transferências não onerosas, entendendo que somente se dá a exigência do ITCD, diante da ausência de acréscimo patrimonial, bem como divisão constitucional de competências tributárias que veda a bitributação. [9]
Estruturação
A estruturação, naturalmente, do planejamento sucessório, patrimonial e fiscal, pode ter maiores complexidades, com uso de testamentos, antecipação de legítima, integralização da terra nua, direito de superfície, usufruto, entre outros institutos a serem utilizados conforme a necessidade de cada situação concreta.
E não para por aí, especialmente, após a Lei n. 14.130, de 2021, que instituiu os Fundos De Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) [10], constituindo uma relevante alternativa para o planejamento tributário, patrimonial e sucessório, tendo em vista seu alto grau de governança e tributação diferenciada, podendo destacar o diferimento no ganho de capital na integralização de imóveis rurais neste fundo [11].
Neste singelo texto, sem pretensão de esgotar o assunto, buscamos traçar um breve panorama dos aspectos fiscais que envolvem um planejamento tributário, patrimonial e sucessório no agronegócio.
[1] “§ 2º O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;”.
[2] “Art. 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador. § 1º Se a transferência for efetuada a valor de mercado, a diferença a maior entre esse e o valor pelo qual constavam da declaração de bens do de cujus ou do doador sujeitar-se-á à incidência de imposto de renda à alíquota de quinze por cento. § 2o O imposto a que se referem os §§ 1o e 5o deverá ser pago: (Redação dada pela Lei nº 9.779, de 1999)I – pelo inventariante, até a data prevista para entrega da declaração final de espólio, nas transmissões mortis causa, observado o disposto no art. 7o, § 4o da Lei no 9.250, de 26 de dezembro de 1995; (Incluído pela Lei nº 9.779, de 1999) II – pelo doador, até o último dia útil do mês-calendário subseqüente ao da doação, no caso de doação em adiantamento da legítima; (Incluído pela Lei nº 9.779, de 1999) III – pelo ex-cônjuge a quem for atribuído o bem ou direito, até o último dia útil do mês subseqüente à data da sentença homologatória do formal de partilha, no caso de dissolução da sociedade conjugal ou da unidade familiar. (Incluído pela Lei nº 9.779, de 1999) § 3º O herdeiro, o legatário ou o donatário deverá incluir os bens ou direitos, na sua declaração de bens correspondente à declaração de rendimentos do ano-calendário da homologação da partilha ou do recebimento da doação, pelo valor pelo qual houver sido efetuada a transferência. § 4º Para efeito de apuração de ganho de capital relativo aos bens e direitos de que trata este artigo, será considerado como custo de aquisição o valor pelo qual houverem sido transferidos. § 5º As disposições deste artigo aplicam-se, também, aos bens ou direitos atribuídos a cada cônjuge, na hipótese de dissolução da sociedade conjugal ou da unidade familiar.”
[3] “Valores para Apuração de Ganho de Capital. Art. 19. A partir do dia 1º de janeiro de 1997, para fins de apuração de ganho de capital, nos termos da legislação do imposto de renda, considera-se custo de aquisição e valor da venda do imóvel rural o VTN declarado, na forma do art. 8º, observado o disposto no art. 14, respectivamente, nos anos da ocorrência de sua aquisição e de sua alienação.Parágrafo único. Na apuração de ganho de capital correspondente a imóvel rural adquirido anteriormente à data a que se refere este artigo, será considerado custo de aquisição o valor constante da escritura pública, observado o disposto no art. 17 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.”
[4] “EMENTA. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI. IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 156, § 2º, I DA CONSTITUIÇÃO. APLICABILIDADE ATÉ O LIMITE DO CAPITAL SOCIAL A SER INTEGRALIZADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. 1. A Constituição de 1988 imunizou a integralização do capital por meio de bens imóveis, não incidindo o ITBI sobre o valor do bem dado em pagamento do capital subscrito pelo sócio ou acionista da pessoa jurídica (art. 156, § 2º,). 2. A norma não imuniza qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica, mas exclusivamente o pagamento, em bens ou direitos, que o sócio faz para integralização do capital social subscrito. Portanto, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI. 3. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. (RE 796376 / SC)
[5] “Apelação. Mandado de segurança. Imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis. Alegação de não incidência por se cuidar de transferência de bens, decorrente de incorporação a patrimônio de pessoa jurídica, em realização de capital. Procedência. Bens imóveis destinados à constituição do capital social, não à formação de reserva de capital. Diferenciação com o caso analisado no julgamento do tema 796 das questões constitucionais de repercussão geral. Incidência da imunidade prevista nos artigos 156, § 2º, I, da Constituição Federal e 37, “caput”, do Código Tributário Nacional. Recurso provido. “ (TJSP; Apelação Cível 1007968-30.2022.8.26.0637; Relator (a): Geraldo Xavier; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Tupã – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/01/2024; Data de Registro: 24/01/2024)
[6] “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;”.
[7] “MANDADO DE SEGURANÇA ITCMD Pretensão mandamental ao reconhecimento do direito de recolher o imposto de acordo com o valor venal lançado pela Municipalidade para a cobrança de ITR Possibilidade Posicionamento fiscal em prol da aplicação do valor venal apurado pelo IEA (Instituto Agrícola do Estado) Inadmissibilidade – Decreto 55.002/09 que, sob o auspício de regulamentar a Lei Estadual 10.705/00, acaba majorando, por via inadequada, o tributo – Ofensa ao artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, e aos artigos 97 e 99 do CTN precedentes – Base de cálculo do imposto a incidir sobre as quotas sociais – Observância ao art. 14, §3º da Lei 10.705/00 R. Sentença mantida. (TJ/SP, Apelação nº 1053600-66.2014.8.26.0053 9ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Carlos Eduardo Pachi j. 1/07/2015).
[8] “MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA. Alegação de que ultrapassado o prazo de 120 dias para impetração previsto no art. 23 da Lei nº 12.016/2009. […] MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. BASE DE CÁLCULO. Doação da nua-propriedade de quotas sociais. Tributo que deve ser recolhido com base no valor patrimonial contábil das quotas sociais doadas. Pretensão do Fisco de utilizar o valor atualizado dos bens que integram o patrimônio da empresa transferida. Impossibilidade. Observância do art. 14, § 3º, da Lei nº 10.705/2000. Precedentes. Quotas gravadas com reserva de usufruto vitalício, devendo a base de cálculo corresponder a 2/3 do valor patrimonial contábil. Inteligência do art. 9º, § 2º, item 4, da Lei nº 10.705/2000. Prova do recolhimento devido. Insubsistência do AIIM e, consequentemente, da multa e dos encargos a ele atrelados. Sentença reformada. Recurso provido.” (TJSP, DJe 07/02/2024)
[9] “Direito tributário. Agravo interno em recurso extraordinário com agravo. Imposto sobre a renda. Ganho de capital. Antecipação de legítima. Ausência de acréscimo patrimonial. Vedação à bitributação. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a recurso extraordinário com agravo interposto em face de acórdão que afastara a incidência do imposto de renda sobre o ganho de capital apurado por ocasião da antecipação de legítima (Lei n° 7.713/1988, art. 3º, § 3º; e Lei nº 9.532/1997, art. 23, § 1º e § 2º, II). 2. Esta Corte possui entendimento de que o imposto sobre a renda incide sobre o acréscimo patrimonial disponível econômica ou juridicamente (RE 172.058, Rel. Min. Marco Aurélio). Na antecipação de legítima, não há, pelo doador, acréscimo patrimonial disponível. Acórdão alinhado à jurisprudência desta Corte. 3. O constituinte repartiu o poder de tributar entre os entes federados, introduzindo regras constitucionais, que, sobretudo no que toca aos impostos, predeterminam as materialidades tributárias. Esse modelo visa a impedir que uma mesma materialidade venha a concentrar mais de uma incidência de impostos de um mesmo ente (vedação ao bis in idem) ou de entes diversos (vedação à bitributação). Princípio da capacidade contributiva. 4. Admitir a incidência do imposto sobre a renda acabaria por acarretar indevida bitributação em relação ao imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD). 5. Agravo interno a que se nega provimento. (ARE 1387761 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 22/02/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 28-02-2023 PUBLIC 01-03-2023)
[10] Sobre o tema: https://www.conjur.com.br/2021-mar-26/direito-agronegocio-fiagro-relevancia-necessidade-tratamento-fiscal-especifico/
[11] Art. 20-E. As cotas dos Fiagro podem ser integralizadas em bens e direitos, inclusive imóveis. § 1º O pagamento do imposto sobre a renda decorrente do ganho de capital sobre as cotas integralizadas com imóvel rural por pessoa física ou jurídica poderá ser diferido para a data definida para o momento da venda dessas cotas, ou por ocasião do seu resgate, no caso de liquidação dos fundos. § 2º Na alienação ou no resgate das cotas referidas no § 1º deste artigo, o imposto sobre a renda diferido será pago em proporção à quantidade de cotas vendidas. § 3º Os imóveis rurais destinados à integralização de cotas dos Fiagro deverão ser previamente avaliados por profissional ou por empresa especializada, nos termos de regulamento.”
Fonte: ConJur
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